quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Crimes ao Largo


Hoje vamos falar de acontecimentos que abalaram o Largo. O primeiro envolve a polêmica Carlota Joaquina, que nunca foi lembrada como uma figurinha fácil, por ter sido dona de uma imagem de bigoduda fogosa, autoritária e caliente. A impressão que se tem é a de que a frase “com mulher de bigode nem o diabo pode” foi inventada pra defini-la. Explico. Lá pelo início do Século XIX, como já tinha dito em post anterior, Carlota foi morar nas imediações do Largo do Machado pra ficar pertinho de seu amante, o excelentíssimo Fernando Carneiro Leão, nada mais nada menos que o primeiro presidente do Banco do Brasil. Dito isso fica fácil perceber que ele era o melhor partido da época, o que provavelmente fez com que a rainha, não satisfeita em viver seu affair, tenha sido acusada de ser a mandante do assassinato da esposa de Fernando, a Sra. Gertrudes Carneiro, morta enquanto chegava na Igreja Matriz da Glória por um meliante conhecido como “Orelha”. Claro que o caso não deu em nada, afinal, naquele tempo (como em todos os tempos desde que o mundo é mundo), mandava quem podia e obedecia quem tinha juízo. Só a título de curiosidade, até da morte de D. João Carlota é suspeita. Não sem motivo, naturalmente, já que a rainha ao longo da vida construiu um histórico de conspirações, incluída aí a tentativa de impedir a ascensão do próprio marido ao trono brasileiro quando ele ainda era príncipe regente. Entregue para desposá-lo aos dez anos de idade, teve nove filhos, que, apesar de sua fama de devassa, foram todos atribuídos ao cônjuge. O tempo passou, a família real voltou de onde não devia ter saído e, mais de cem anos depois, república já estabelecida, no Hotel dos Estrangeiros, situado na esquina da Senador Vergueiro com a Barão do Flamengo e conhecido por abrigar celebridades, foi dizimado a facadas o General Pinheiro Machado (foto), famoso, entre outros feitos, por fundar o Partido Republicano Conservador. O assassino, um pedreiro, diz ter agido por conta própria, mas sempre pairou a suspeita de que o crime teve razões políticas. Interessante que, muito depois, já na década de setenta do século passado, o Largo também foi palco do necessário crime do progresso, materializado pelo advento do metrô, que, além de colocar abaixo muitas casas do tempo de Pereira Passos, fez da Rua do Catete um canteiro de obras. Claro que é exatamente assim que o progresso age e durante a reforma de Pereira Passos muita coisa também foi abaixo. Com os olhos de hoje, vemos as benesses do metrô como algo natural, mas há três décadas, muita gente pagou por isso. E caro. Não à toa a poesia de cordel de então dava a tônica da insatisfação: “Com as obras do metrô/Veio o grande sofrimento/Os moradores dos bairros/Chegaram à cruz do tormento/Glória/Catete e Flamengo/Estão peor que Realengo/Dentro de um clima nojento/Comerciantes também/Sentem o peso da cruz/Catete vive nas trevas/Glória e Flamengo sem luz/É esta situação/Desta grande região/Esquecida por Jesus”. Fora o transtorno total, o Largo perdeu cinco palmeiras originais, alguns operários e um cadinho de dignidade. Mas, como nada é só bom nem ruim, os lambe-lambes (que não existem mais) lucraram bastante por conta da enorme clientela de “paraíbas” que ali trabalhavam e que por ali mesmo registravam seus instantâneos ao largo.
Fontes:


. PEREGRINO, Umberto: Crônica do bairro do Catete: histórias e vivências. RIO ARTE, RJ, 1986.

. MOREIRA LEITE, Miriam; BARROS MOTT, Maria Lúcia; APPENZELLER, Bertha K.: A mulher no Séc. XIX. FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, SP, 1982.

. VAINFAS, Ronaldo (Org): Dicionário do Brasil Imperial, OBJETIVA, RJ, 2002.

2 comentários:

Marcelle Morgan disse...

Fiquei pensando nas fotos!

paoleb disse...

as fotos dos lambe-lambes!