segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O Largo de Carlota


A pesquisa anda e a gente vai tendo mil epifanias por segundo, desvelando camadas e mais camadas, como que a descascar cebolas. Hoje descobri que o Largo do Machado não necessariamente tem esse nome devido a um açougueiro que ostentava um grande machado em sua fachada. Isso pode ser lenda, pois não há nenhum registro histórico que confirme a existência do tal estabelecimento comercial. De todo modo, é importante que estejamos sempre prontos a questionar o que entendemos, de fato, por história, pois, se ficássemos sempre reféns dos registros oficiais, o que seria, por exemplo, da cultura oral? Divagações à parte, o fato é que, no século XVI, a praça era apenas um alagadiço, um pântano, tudo por conta do Rio Carioca, que vinha (e ainda vem, apesar de soterrado), descendo pelo que hoje conhecemos por Rua Cosme Velho, fazendo do Largo um delta cheio de plantas espinhentas. Aliás, "carioca", segundo os Tamoios, significa “casa de branco”, denominação que já denota uma desconfiança braba no processo de urbanização de então. Apesar de já vir sendo ocupado há mais de cem anos, foi a partir de 1702 que boa parte daquele chão acabou sendo adquirida pelo sesmeiro Antônio Vilela Machado, a quem também é atribuída a origem do nome do Largo. Antes disso, o local, que já tinha sido chamado de “Campo das Pitangueiras” e de “Praça Duque de Caxias”, ainda mantinha aquele status de pasmaceira. Daí, pra quebrar com a monotonia, eis que, em 1810, nada mais nada menos que Carlota Joaquina resolve morar nas imediações. O pitoresco é que Carlota foi pra lá pra ficar pertinho da chácara do amante, o açoreano e comendador José Fernando Carneiro Leão, que viria a ser presidente do Banco do Brasil. Pra promoverem seus encontros, bastava que atravessassem o Rio Carioca, que era raso e, portanto, livre de grandes dificuldades. Provavelmente satisfeita com o tratamento dispensado, Carlota mandou cercar o Largo, dando-lhe as dimensões atuais. Quando a família Real deixa o Brasil, o local passa a ser alvo de grande especulação, tendo suas belas residências disputadas pela nobreza. Aliás, Carlota também fundou 2 capelas por ali, sendo que uma delas acabou virando, depois de muitas modificações, a Igreja da Matriz que hoje conhecemos. Mas isso conto depois.

Os bondes

Encontrei este post e resolvi copiá-lo quase integralmente, traz boas imagens e informações preciosas.

Companhia Ferro Carril do Jardim Botânico
Largo do Machado


A 18 de novembro de 1862 é fundada pelo Barão de Mauá a Companhia de Caminho de Carris de Ferro do Jardim Botânico para ligar o Centro do Rio até esse então distante lugar.
(...)

Em 9 de outubro de 1868 D.Pedro II inaugura o segundo sistema de bondes da capital do Império: 3 km de linha (de bitola de 1435mm) ligam a Rua do Ouvidor, no Centro, ao Largo do Machado; e seis semanas depois a linha já chega a Botafogo.
(...)
E, no primeiro dia de 1871, os bondes atingem finalmente o Jardim Botânico.

Em 1879, ano da invenção do telefone, esse equipamento é instalado em todas as estações de bondes da Botanical Garden, interligando-as.

(...)
É construída uma Usina Termoelétrica no Depôt da rua 2 de dezembro,
- à porta da qual se reúnem-se os elegantes da época, entre os quais Ruy Barbosa, o qual, rendido às maravilhas do novo meio de transporte, afirma, referindo-se ao bonde: «- Se não existisse era preciso inventá-lo!»... - são encomendados (novamente) à John Stephenson Company três carros (desta vez) motores, e são eletrificados 3 km de linha entre o Largo da Carioca e o Largo do Machado - sensivelmente a mesma linha e o mesmo traçado usado na inauguração dos bondes há um quarto de século atrás.

Os primeiros testes têm lugar a 12 de agosto de 1892; e às 13h de 8 de outubro dá-se a solene inauguração do sistema de bondes elétricos da Jardim Botânico - o primeiro do país e da América Latina.

Fotos do Depôt da Companhia Ferro Carril do Jardim Botânico, no Largo do Machado.

Largo do Machado, início do século

Reprodução de um postal do início do século, vendo-se ao centro o portão de saída dos bondes.

Largo do Machado, 1908

Postal datado de 1908, mas cuja fotografia terá sido tirada um ou dois anos antes.
(Postais da coleção de Allen Morrison)

Casa das Machinas, 1907


As construções da C.F.C.J.B. voltadas para o Lgº do Machado foram todas demolidas nos anos 70 aquando da construção do Metrô do Rio.
A parte frontal dos terrenos serviu para o alargamento das calçadas do Largo; o seu interior serve ou de estaleiro do Metrô ou foi arrendada à DETRAN - Divisão Estadual de Trânsito, para a vistoria dos automóveis.

O único edifício remanescente fica na esquina da rua 2 de Dezembro (na foto ao lado a sua fachada voltada para esta rua, podendo ler-se no medalhão «Sala das Machinas - 1907» e abaixo do capitel as iniciais C.F.C.J.B) com o Beco do Pinheiro, (foto abaixo) e serve atualmente como local de exposições temporárias.

(Fotos a cores de Emídio Gardé, em janeiro de 1999)

Casa das Machinas - 1997

Via permanente

rjlgmachado1960.jpg (47913 bytes)

Reprodução do esquema oficial de linhas da C.F.C.J.B., na parte envolvente do Depôt do Largo do Machado, «L. Machado Barn», 1960.
(Esquema da coleção de Allen Morrison)

Com o fim dos bondes, os trilhos foram sendo ou cobertos pelo asfalto ou retirados, dependendo das circunstâncias e das obras efectuadas nas ruas.
Na parte envolvente ao antigo Depôt do Largo do Machado, apenas subsistem atualmente vestígios cobertos de asfalto (pelo menos que sejam detectáveis) no arruamento sul do Largo, no beco do Pinheiro e na Rua Machado de Assis.
Os trilhos já foram retirados (que eu tenha conhecimento): em 1996 no arruamento norte do Largo; em 1997/8 na rua 2 de dezembro; e em 1998/9 na Praia do Flamengo. Também na Rua do Catete a maioria dos trilhos terá sido levantada aquando da construção do Metrô.

Esquina rua 2 de dezembro/praia do Flamengo, 1998

Levantamento dos trilhos na Praia do Flamengo, no cruzamento com a rua 2 de dezembro,
em meados de 1998.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Tapume, mendigos, turistas e pamonhas




Como qualquer outra paisagem, o Largo do Machado vai mudando de acordo com o horário. Ontem, passei em torno das 22h e encontrei tudo ainda bem lotado: os bancos em frente à escola, as mesas da jogatina, o ponto de ônibus (primeira foto) e a circunferência do chafariz. Até no pequeno parquinho com balanços quebrados tinham crianças brincando. Inclusive, na hora em que eu saía do metrô, percebi um movimento que deve se repetir todos os dias: o das pessoas que vão pegar a integração subindo a escada rolante correndo pra não perder o ônibus, que provavelmente tem hora certa pra sair. Apesar da (ainda) grande quantidade de gente, a postura das pessoas não é a mesma que de dia. Todo mundo anda um pouco mais rápido, mais atento, pois em vários trechos (como o entorno do stand de castração gratuita de animais), a iluminação é inexistente. Só os turistas mantêm aquele semblante lânguido de quem nada teme por estar num país tropical. Ficam parados por horas olhando pra Santa do chafariz (que é de fato belíssima), dizendo 'nice' apesar do mesmo estar desligado e sem água, comendo pamonha e tirando fotos. Fiquei sentada olhando prum grupo deles e reparei que alguns passantes ficam com vontade de alertá-los que aquilo ali é meio terra de ninguém à noite e que talvez fosse melhor guardar logo a câmera, mas ninguém se atreve de fato a chegar perto. Outra coisa interessante que acontece à noite é que os mendigos ficam mais visíveis e espaçosos, ocupando bancos que durante o dia não ocupam. Assim como certas coisas só se evidenciam de noite, outras, ao contrário, só vemos de dia, como é o caso de uma obra, próxima à saída do metrô, cercada por um tapume com motivos florestais, com cobras enroscadas em árvores, tucanos e vegetação densa. As pessoas (tipo esse casal da segunda foto) param ali pra tirar fotos, como se se tratasse de um monumento ou algo do gênero. Inclusive, durante o Festival Brasileiro de Cinema Universitário, que fez 15 anos agora e teve como identidade visual a valsa de um casal composto por uma debutante e um jacaré (numa menção às festas de 15 anos, aos filmes B e ao jogo do bicho), o ator que se passou pelo réptil fez vários passeios por ali. Chegamos até a pensar em, durante a oficina ‘circuitos de vídeo’, ministrada pela Paola Barreto como atividade paralela do Festival, fazer algumas imagens em lento zoom out, começando num plano bem fechado (simulando uma interação do animal com a mãe natureza), até abrir pra verdadeira selva do Largo do Machado, com seus mendigos (como o da terceira foto, no chafariz), meninos de rua e demais iniquidades que já estão tão naturalizadas que nem nos emocionam mais. Independente se vamos ou não realizar essas imagens, o fato é que o tapume já se adaptou à paisagem, assim como os pombos (que montam seus puleiros em cima dos pontos de ônibus), os pedestres e os postes. Quando estava saindo, rumo à Rua do Catete, reparei no banheiro da prefeitura (quarta foto) localizado quase em frente ao restaurante Gambino, movido a moeda de R$0,50, onde está escrito "esse sanitário é seu/faça xixi aqui". Esse também se adaptou à paisagem.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Largo do açougueiro


O episódio de ontem dos Simpsons foi sobre as consequências da instalação de câmeras de segurança em Springfield. Resumindo, Bart descobre em seu quintal um ponto cego que, por pura diversão, cerca com tinta. Seu pai, pra descolar um trocado, começa a cobrar pela entrada e permanência no espaço, que vira uma terra de ninguém, com direito à queima de ventrílocos e uso de drogas, tudo isso enquanto a pessoa que os vigiava por monitores (Mr. Flanders) estranhava a calmaria da cidade. Como não há coincidências suficientes pra dar conta dos fatos, achei interessante assistir justamente a esse episódio na véspera de começar a pesquisa deste projeto, que vem mapeando o Largo do Machado para a realização de uma dramaturgia vista sob a ótica de câmeras de segurança. De cima pra baixo, exercitando a misteriosa arte de ver sem ser visto.

Antes disso, na primeira reunião de equipe, na sexta feira, Paola tinha comentado que o Largo do Machado assim se chamava por conta de um açougueiro que tinha uma machado na porta de seu estabelecimento. Acabada a reunião, ao passarmos pelo Largo, nos deparamos com uma espécie de confessionário, onde tem escrito um suposto diálogo entre um investigador e Machado de Assis, que confirma a versão da wikipedia, acrescendo, ainda, que o escritor tinha somente 3 anos na época em que o Largo já era muito famoso.

Hoje apareci por lá no final da tarde e escolhi observar os adolescentes na porta da escola, naquele ócio desprovido de culpa que só eles sabem ter. Fiquei reparando nesse menino que olha pra cima na foto. Ele ficou o maior tempão ali, e eu, de tanto olhar pra ele, acabei entrando na onda e só então fui me dar conta de como a tarde estava bonita. Olhar pra cima exercita a contemplação. Os adolescentes usam a praça pra alongar o tempo de diferentes formas, seja roendo as unhas, tomando uma coca-cola ou jogando charme pras gatinhas (como parece fazer aquele estudante lá do fundo).

Depois disso fui pra casa ligada na lua, que tá linda de cheia. Feliz por ter podido desacelerar, nem que por pouco tempo, em plena segunda-feira.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Este blog faz parte do projeto "Coreografia para prédios, pedestres e pombos" e é dedicado exclusivamente ao mapeamento do Largo do Machado, objeto de pesquisa e local de realização do projeto. Farão parte desse mapa todas as informações que pudermos coletar a respeito do largo do machado: sua história, suas memórias, suas curiosidades, suas imagens, sua topologia, seu relevo, seus movimentos, seus objetos, seus personagens, suas texturas, seus sons, ... Todos os participantes do projeto são convidados a escrever. Poliana Paiva vai coordenar a pesquisa histórica.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Projeto

“Coreografia para prédios, pedestres e pombos” é uma colaboração entre a coreógrafa Dani Lima, a cineasta Paola Barreto e uma equipe de 20 artistas e técnicos.
O projeto é composto por uma série de “interações coreográficas camufladas” realizadas por 11 bailarinos/atores na praça do Largo do Machado, na entrada da Galeria Condor e na esquina da Rua 2 de Dezembro. Estas intervenções serão gravadas por webcams, e as imagens serão transmitidas em tempo real, via internet, para o oitavo andar do Instituto Oi Futuro, onde serão editadas e sonorizadas numa performance de “cinema ao vivo”.
Este projeto pretende revitalizar o espaço público do Largo do Machado, lançando um olhar poético sobre a arquitetura, os moradores, a história, o cotidiano e as memórias passadas e presentes do bairro. Da mesma forma pretende mobilizar os freqüentadores e moradores da praça a compartilharem suas experiências e seus registros visuais, compondo uma grande cartografia afetiva do bairro.

De 30 de Agosto a 20 de Outubro estaremos ensaiando todos os dias por estas imediações. De 21 de Outubro a 20 de Novembro apresentaremos a temporada oficial da performance. A entrada será gratuita e todos os moradores, simpatizantes e passantes do Largo do Machado são convidados a assistir, seja diretamente na praça, das janelas de seus apartamentos, pela internet, ou as instalações do Oi Futuro.